Bloco de Rega de Brinches, Sub-Bloco Cangueiros, Outeiro Alto 2

A intervenção arqueológica no sítio Outeiro Alto 2 enquadrou-se numa perspectiva de minimização de impactes sobre o património cultural decorrentes da execução do Bloco de Rega de Brinches. Os trabalhos decorreram entre os dias 29 e 30 de Abril e 9 e 13 de Maio de 2009.

Neste sítio haviam sido identificadas três interfaces tipo fossa, de funcionalidade e período cronológico indeterminados, no decurso dos trabalhos de acompanhamento da abertura de vala da Conduta Principal. Destas, apenas duas foram intervencionadas pela ERA-Arqueologia, tendo a escavação da terceira ficado a cargo do empreiteiro e sido escavada pela empresa Ozecarus.

Permitiu-se a identificação de uma estrutura negativa sub-oval pouco conclusiva, uma vez que não apresentava vestígios artefactuais que permitissem diagnosticar a sua cronologia ou funcionalidade. Foi também identificada uma estrutura negativa circular, tipo fossa, onde foi exumado um conjunto artefactual genericamente enquadrável na Pré-história recente.

 

FASE 2

Os trabalhos realizados, numa segunda fase, no sítio do Outeiro Alto 2 enquadraram-se na execução do Adutor de Brinches-Enxoé/Reservatório Brinches Sul (Fase de Obra). Desenvolveram-se entre 22 de Junho e 25 de Novembro de 2009.

Neste sítio identificara-se um conjunto de cerca de 35 interfaces negativas, registadas no decurso dos trabalhos de acompanhamento arqueológico na zona de entrada do reservatório, a Norte, e na zona de saída, a Sul, após a decapagem das terras de superfície, encontrando-se afetadas no seu topo. Estabeleceu-se então a intervenção de uma área total de 81 m2.

No decorrer da intervenção vir-se-iam a identificar mais 8 interfaces negativas na zona de entrada do reservatório, perfazendo um total de 40 fossas, no que se constitui como um núcleo bastante homogéneo e bem delimitado. Nesta zona foi intervencionada uma área total de 103,25 m2.

A continuação dos trabalhos de decapagem e escavação mecânica afetos à obra de construção do reservatório Brinches Sul viria a revelar outros núcleos de ocupação humana na área delimitada pelo referido reservatório, concretamente, uma necrópole da Idade do Bronze na zona Oeste, uma área habitacional na zona Sul, constituída por um fosso escavado no substrato geológico, e um conjunto relativamente amplo de fossas, cronologicamente enquadráveis na transição entre o Neolítico Final e o Calcolítico.

Assim, estabeleceu-se uma divisão em três núcleos distintos, baseada principalmente em pressupostos espaciais e cronológicos: o Núcleo A corresponde à zona de entrada do reservatório, a Norte, onde se registaram três hipogeus enquadráveis no Neolítico Final e um conjunto de 35 fossas, aparentemente associadas (área total 103,25 m2); o Núcleo B, localizado a Sul, corresponde à área do fosso anteriormente referido (área total 183 m2); o Núcleo C é essencialmente constituído por uma necrópole da Idade do Bronze, embora também por algumas fossas de cronologia indeterminada, algumas das quais com enterramentos, e outras enquadráveis no Neolítico Final (área total 210,5 m2).

                                      Fossas de planta circular.

                                                                                 NÚCLEO A

Relativamente ao conjunto das trinta fossas de planta circular ou subcircular e às duas fossas de planta circular com ligação entre si, verificou-se que se encontravam colmatadas apenas por um (a maioria dos casos – 25 fossas) ou dois depósitos (7 fossas) – estes dois depósitos sendo normalmente idênticos.

Embora se registassem algumas variações principalmente no tipo e quantidade dos elementos pétreos presentes, os sedimentos que preenchiam estas fossas eram em tudo idênticos entre si, podendo-se descrever, genericamente, como depósitos de matriz areno-argilosa, compactos, de cor castanho-avermelhada, homogéneos. Verificou-se ainda a presença generalizada de pequenos caracóis e búzios, tendo-se efectuado uma recolha quase integral dos mesmos.

O escasso e incaracterístico espólio cerâmico e lítico exumado no decorrer da escavação destas estruturas negativas traduziu-se em alguns pequenos fragmentos de bojo de cerâmica manual, apresentando dois deles vestígios de aparente decoração penteada, e alguns líticos, sobretudo de quartzo e de quartzito, sendo francamente insuficientes para estabelecer as coordenadas cronológicas desta ocupação.

Quanto aos três hipogeus escavados, tratar-se-iam de estruturas funerárias de uso colectivo, enquadráveis no Neolítico Final, que evidenciavam homogeneidade nos rituais de enterramento e no espólio votivo, podendo-se estabelecer um paralelo directo com a realidade recentemente dada a conhecer no sítio da Sobreira de Cima localizada na mesma região (Valera, Soares e Coelho, 2008).

Para além deste último sítio, são conhecidas várias ocupações atribuíveis ao Neolítico Final na região de Serpa, por exemplo, entre outros, na foz do Enxoé (Diniz, 1999), no Monte Luís Mendes, na Torre do Lóbio 1, Casa Branca 6 e 7 e no Alto da Forca (Lopes, Carvalho e Gomes, 1997).

Em todos se verificou a existência de um ossário, em melhor ou pior estado de conservação e fragmentação, com maior ou menor número de indivíduos, bem como de indivíduos ainda em conexão anatómica e a existência de espólio votivo/funerário. A utilização destes sepulcros coletivos implicava a redução do ou dos enterramentos preexistentes no momento de inumar um novo indivíduo, de modo a garantir espaço a este, sendo, normalmente, o último enterramento efectuado aquele que se preserva mais completo. O fecho da estrutura com lajes, de maior ou menor tamanho, e argila, e a colocação, durante essa acção, de uma lâmina de sílex na zona da entrada, marcava o fim da utilização daquela estrutura funerária.

Para além da posição fetal dos indivíduos inumados e do espólio registado nos três hipogeus, observaram-se como principais padrões a deposição de lâminas de sílex na entrada destas estruturas, e a existência de mós em posição invertida nas estruturas de fecho do hipogeu 14 e da fossa 32.

Refira-se ainda que, durante a escavação do Núcleo A do Outeiro Alto 2, foram retiradas algumas amostras de sedimento (das sondagens 4, 22, 28 e 30) por técnicos do ITN (Instituto Tecnológico e Nuclear) para futura análise e datação por luminescência. De igual forma, foram entregues aos referidos técnicos alguns fragmentos de cerâmica para análises químicas (procedentes das fossas 4, 28 e 30).

                                        Sepultura.

                                                                                    NÚCLEO B

Foram escavados ao todo 34 contextos arqueológicos, a maioria dos quais correspondentes a fossas escavadas no substrato, cronologicamente enquadráveis na Pré-história Recente. Embora diferentes, podem-se estabelecer alguns padrões quanto à sua tipologia e respectiva dinâmica estratigráfica, tendo-se observado principalmente três tipos de estrutura negativa:

O primeiro tipo corresponde a fossas de plano circular ou sub-circular, de paredes direitas ou ligeiramente inclinadas, de fundo tendencialmente plano, variando quanto às dimensões mas não ultrapassando 1,10 m de profundidade e 2 m de diâmetro – onde se podem integrar a grande maioria de fossas do Neolítico Final e Calcolítico. O segundo tipo respeita a fossas de plano circular ou sub-circular, de paredes ligeiramente reentrantes ou inclinadas, fundo plano, com profundidade entre 1,40 m e 1,90 m, e diâmetro que pode atingir 2,50 m – deste tipo apenas se identificaram as estruturas 122 e 123.

O terceiro tipo é representado por estruturas negativas de pequena dimensão, tanto no que se refere à largura como à profundidade, de plano, paredes e base muito irregulares – grande parte delas é de cronologia indeterminada, sendo que algumas corresponder a pequenas depressões naturais no terreno, e 5 são enquadráveis no Calcolítico.

O primeiro tipo de fossas descrito corresponde ao mais abundante, não sendo, contudo, atribuível a um único período. Registou-se ainda um padrão na dinâmica estratigráfica de algumas destas fossas, constituído pela presença de um nível de calhaus irregulares de calcário de média dimensão, em alguns casos com considerável potência, no seu enchimento, invariavelmente localizado a meia altura entre o topo e a base das fossas, ou seja, com depósitos por cima e por baixo. Esta característica assinala-se sobretudo nas fossas neolíticas (5 estruturas), e apenas em 2 calcolíticas.

No que se refere ao segundo tipo de fossas, foram identificadas apenas duas (122 e 123), localizadas no grande corte mecânico que delimita a Norte o Núcleo B, tendo ambas sido parcialmente afetadas pelos trabalhos mecânicos.

Em relação às estruturas negativas de pequena dimensão, de plano, paredes e base muito irregulares, podendo algumas corresponder a pequenas depressões naturais no terreno, observou-se uma constante e abundante presença de materiais arqueológicos em quase todas elas.

De um modo geral, no interior das fossas do Núcleo B observou-se a presença frequente de líticos e cerâmica manual, em alguns casos com recipientes quase inteiros. Na fossa 129 foi ainda exumado um punção de cobre, associado a pratos de bordo espessado, constituindo-se como o único objecto metálico identificado neste Núcleo.

Relativamente à cronologia, os materiais exumados são fundamentalmente constituídos por taças carenadas, recipientes em saco mamilados, globulares, pratos de bordo espessado internamente e não espessado, projécteis de granito, lâminas e lamelas de sílex ou outras rochas silícias (pouco fre-quente), lascas de quartzo e quartzito, fragmentos de machado e enxó (estranhamente quase ausentes), fauna mamalógica e malacológica. Em menor quantidade, foram ainda identificados dois possíveis ídolos falange e dois fragmentos de cerâmica denteada, fragmentos de piso de argila cozida e fragmentos de cerâmica de revestimento, ou barro de cabana, bem como a presença de pequenos pesos de tear.

A percepção da existência de ocupações atribuíveis, por um lado, ao Neolítico Final e, por outro, ao Calcolítico, dada a continuidade da cultura material observável entre estes dois períodos, foi provisoriamente estabelecida sobretudo a partir da presença ou ausência de pratos de bordo espessado, inexistentes no Neolítico.

No que se refere às manchas 127 e 128, foi possível perceber que se tratava de depressões no terreno efetuadas por trabalhos mecânicos anteriores à obra do reservatório, presumivelmente no âmbito de trabalhos agrícolas, e preenchidas por sedimentos mais escuros, estéreis e bastante heterogéneos. No caso da 127, foi ainda possível registar as marcas dos dentes da máquina que procedeu à abertura da referida depressão.

Relativamente à mancha 92, identificaram-se abundantes materiais cerâmicos e fauna mamalógica, provavelmente enquadráveis no período Alto Medieval, não sendo claro, contudo, que tipo de ocupação testemunha.

Por fim, não pode deixar de ser referida a semelhança que este recinto apresenta, incluindo as respectivas estruturas associadas no exterior e interior, com o de Santa Vitória, em Campo Maior. A planta geral do fosso é nitidamente similar, tal como o posicionamento paisagístico, em pontos particularmente elevados, remetendo para opções assentes em pressupostos muito concretos.

 

                                                                              NÚCLEO C

Pouco mais se poderia acrescentar, sem que se corresse o risco de entrar em repetições desnecessárias, restando apenas referir que o estudo das realidades arqueológicas escavadas no Outeiro Alto 2 estava em curso, assumindo-se como, a par de outras intervenções realizadas recentemente no âmbito dos Blocos de Rega, de vital importância para a compreensão da Préhistória recente na margem esquerda do Guadiana no Baixo Alentejo, mais concretamente, do Concelho de Serpa.

Sublinhe-se a aprovação a financiamento, por parte da FCT, do projecto multidisciplinar Práticas funerárias da Pré-História Recente no Baixo Alentejo e retomo sócio-económico de programas de salvamento patrimonial, coordenado pelo Doutor António Carlos Valera, onde, a par de outros sítios arqueológicos de singular interesse, se encontra inserido o Outeiro Alto 2.

Este projecto pretendia debruçar-se sobre o estudo das práticas funerárias da Pré-História Recente no Baixo Alentejo (distrito de Beja) e construção de modelos de valorização de conhecimento produzido no âmbito de minimização de impactos sobre património arqueológico, com a participação das seguintes instituições: NIA-ERA Arqueologia; Centro de Geociências, Instituto Politécnico de Tomar; Centro de Investigação em Antropologia, FCTUC; Centro de Investigação em Sociologia Económica e das Organizações, ISEG.

A escavação integral de todas as realidades arqueológicas reconhecidas no terreno não implicou a implementação de medidas de minimização adicionais.

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